A OAB
A OAB, o Brasil e o alto preço de uma democracia de fachada
Causaram surpresa e indignação geral - especialmente no meio jurídico - as notícias acerca da prisão de dirigentes e funcionários da seccional goiana da OAB que, segundo acusações policiais, estariam fraudando o Exame de Ordem. O fato em si é chocante, e as provas são contundentes no sentido de que realmente havia a prática da referida - e nefasta - ilegalidade; e esta investigação e as conseqüentes punições têm de ser levadas rigorosamente a cabo, a bem da sociedade e da própria OAB.
Entretanto, várias indagações ainda pairam no ar. A primeira é se porventura os órgãos públicos encarregados do caso não foram precipitados e/ou equivocados em suas deduções e, especialmente, na forma sensacionalista de sua atuação. É fato que nossa gloriosa Polícia Federal é um dos entes públicos mais respeitados pelos brasileiros, e tem tido papel fundamental no desmonte de vários esquemas criminosos. Também é fato que esta honrada polícia passou a tratar suas atuações de forma espetacular após o advento do PT no comando do governo federal. Certamente esta alteração de comportamento se deu de forma engendrada (mesmo porque seria falso concluir que a PF não agia antes com o mesmo afinco) e seus efeitos lúdicos foram exaustivamente explorados na campanha à reeleição presidencial. Também é bom ressaltar que causa estranheza que o melhor e mais eficaz aparelho policial do país tenha tanta facilidade em desbaratar inúmeras quadrilhas no Poder Judiciário, na iniciativa privada, na OAB, e em contrapartida não consiga desvendar em tempo hábil (e nem publicar com o estardalhaço habitual) questões relativamente simples, como: de onde vieram os dólares do 'Dossiê José Serra', ou como funcionava e quem comandava o Mensalão, ou quem traiu o Presidente da República (segundo suas próprias palavras), etc.
Indiscutível que a PF e o Ministério Público vêm desempenhando um papel fundamental neste momento nacional. Portanto, se criticados, o são com intuito de aprimoramento; ou seja, não se sugere o fim ou o engessamento do MP ou da PF; ao contrário, estes devem ser cada vez mais atuantes; contudo, um pouco de prudência e discrição podem fazer muito bem. Confesso temer a força negativa da mídia; especialmente em tempos de um Estado Publicitário ditatorial e truculento com quem o critica (vide o calvário do colunista Mainardi). O poder negativo da mídia policial pode injustamente destruir carreiras e vidas. Exemplo clássico do efeito devastador destas precipitações é o caso 'Colégio Base' ocorrido há não muito tempo em São Paulo, quando donos e funcionários de uma escola infantil foram equivocadamente acusados de molestar sexualmente os alunos. O estrago causado às vidas dos envolvidos é irrecuperável.
Este preâmbulo se aplica ao caso do escândalo das 'carteiras da OAB'. Apesar da pouca divulgação sobre os fatos apurados pela investigação policial, a verdade é que até o presente momento são escassas as notícias sobre provas de efetiva prática de crime por todos os indiciados. Ora, caso sobrevenham provas contundentes contra qualquer acusado é obrigação que se peça (a polícia e o MP) e que se determine (o Poder Judiciário) sua prisão; contudo, encarcerar expoentes da advocacia somente com base em indícios (indícios não servem como provas) de cometimento de ilícitos revela precipitação (no caso de os acusados serem realmente criminosos, não poderão ser condenados por falta de provas; e, portanto a polícia poderia ter investigado melhor para poder colher as provas irrefutáveis necessárias para a condenação) ou irresponsabilidade (no caso dos acusados serem inocentes).
Tive a oportunidade de conhecer de perto os três advogados que foram detidos. Não tenho condições de afirmar se os mesmos estão de fato envolvidos com esta sujeira, mas posso afirmar que o histórico profissional e pessoal dos mesmos me obriga a acreditar em sua inocência. Saliento que este não é um libelo em defesa dos colegas, mas sim um alerta para que não haja qualquer condenação prévia aos mesmos (bem como aos demais envolvidos com base somente em indícios), como já vem acontecendo de forma irresponsável justamente por outros colegas interessados somente na oportunidade política que o momento favoreceu.
Quanto à OAB-GO, realmente talvez tenha chegado a hora de uma mudança. Mas não uma mudança somente de nomes, visto que há muito tempo que não se forma algum grupo de verdadeira oposição, mas somente de dissidentes; ou seja, todos, basicamente, comungando das mesmas aspirações e interesses. Este fenômeno por certo é derivado do sucesso e competência administrativa com que a OAB de Goiás foi conduzida nestes últimos anos. Mas este sucesso incontestável talvez tenha sufocado o florescer de novas lideranças e de novas aspirações para a categoria. Cada vez mais me convenço que a alternância parcial é o meio de auferir melhores resultados, visto que a continuidade não permite a oxigenação de idéias e ideais, além de coibir a formação de novos líderes. É inegável que a experiência jamais deve ser desprezada (isto é um desperdício estúpido), mas esta deve abrir caminho e servir para orientar os que chegam. A história da humanidade ensina que isto é evolução.
Voltando ao caso da suposta venda de 'carteiras da OAB', os indícios até então apresentados como justificativa para as prisões decretadas são gravações telefônicas onde os advogados envolvidos são procurados por outrem para facilitar o ingresso na OAB de candidatos ao Exame da Ordem. Em resposta, pelo que se observa das gravações publicadas, os advogados sempre afirmam que "vão ver o que podem fazer" ou que "estão encaminhando para quem vai resolver" e por aí vai. Eureca! Acabamos de chegar ao ponto crucial deste artigo: O DESUSO DO "NÃO".
O Brasil, por uma série de motivos que poderão ser objeto de outro artigo em oportunidade vindoura, apesar de ser um país soberano, ainda não conseguiu erigir em sua população o espírito de nação. É uma constatação dura e incômoda, mas o Brasil só se vê como nação a cada quatro anos diante da seleção canarinho. Fora disso é um verdadeiro salve-se quem puder. Esta falta de compromisso com a pátria despiu a consciência coletiva do sentimento de obrigação para com a construção de uma nação. Forma mais óbvia e corriqueira desta realidade é o comportamento do brasileiro diante da coisa pública.
Em geral, nosso povo tem o triste hábito de depositar no Estado (governos) a esperança de solução de seus problemas ou de chance de seu progresso, se possível sem esforço. Como acima dito, os motivos desta realidade não serão discutidos neste momento, mas o fato é que, em contrapartida, as pessoas que ocupam cargos diretivos de entes públicos ou representativos da coletividade não encaram as pessoas como cidadãos, mas sim como ELEITORES.
Eis a questão, como vivemos uma democracia de fachada, onde usamos os pleitos eleitorais como movimentos legitimadores da permanência no poder dos grupos que já o ocupam há muito tempo; os referidos detentores do poder não guardam o menor compromisso em fazer o que deve ser feito (conforme prometido), mas somente se aplicam em fazer aquilo que não desagradará ao eleitor. O eleito procura desde o primeiro instante do mandato somente um objetivo claro (e, por vezes, vários outros objetivos escusos), qual seja: o de se reeleger, seja para o mesmo cargo ou para outro; seja para um cargo eletivo ou para um cargo de nomeação. Desta forma, JAMAIS DIZ NÃO PARA O ELEITOR.
Nossa sociedade foi levantada sobre um esteio de hipocrisia. Isto é ancestral. Até hoje os livros de história ensinam que Portugal descobriu o Brasil por acaso quando buscava nova rota para o Oriente, e que D. Pedro I em um rasgo de amor pela terra brasilis disse "fico", e que a proclamação da república foi um ato de vigoroso civismo da nação brasileira, e que Getúlio Vargas decidiu apoiar os aliados já no finzinho da II Grande Guerra em ato de humanismo e repúdio ao afundamento de navios mercantes de bandeira brasileira, e que o golpe de 64 foi uma revolução popular; e acabarão por ensinar no futuro que determinado Presidente da República foi traído pois não sabia de nada. Cômico, se não fosse trágico!
Dizer a verdade pose ser uma tarefa difícil, especialmente se para um eleitor. Contudo, os últimos fatos são um sinal de que já passou a hora de começar a dizer a verdade; até mesmo por esperteza. Então vamos experimentar o seguinte: quando o eleitor (ou cidadão, condômino, associado, inscrito, etc.) pedir para fazer algo impossível ou ilegal, não diga "vou ver o que posso fazer" ou "estou encaminhando para quem vai resolver" ou qualquer outra desculpa; simplesmente seja cortês, explique a razão e diga "não". Sou capaz de arriscar que como resultado pode se estar evitando que alguém alimente uma esperança vã, ou ajudando a transformar um eleitor em um verdadeiro cidadão, ou servindo de parâmetro de comportamento para outros dirigentes, ou conservando um ambiente de higiene em sua consciência, ou ainda colaborando na construção de uma nação. Mesmo que não consiga alcançar tudo isto, ao menos pode se estar evitando o constrangimento de ser preso pela Polícia Federal. Aviso que já conquistei pelo menos um adepto do uso do "não" com desprendimento e sempre que necessário: eu mesmo!
Fábio Carraro
Advogado, administrador, empresário e membro do Tribunal de Ética e Disciplina da Seção de Goiás da Ordem dos Advogados do Brasil.